quinta-feira, 17 de maio de 2012

Amamentação

Lais já vai chegando perto de seus dois anos. Totalmente apaixonada por meus peitos. Ela não pode me ver sentada que pede mamá. Faz carinho no meu seio, nos meus cabelos cada dia mais brancos… Quando satisfeita, recolhe meus seios debaixo da camiseta e faz carinho, afirmando que terminou. Acontece que eu andei meio cansada, andei insatisfeita, porque se eu digo “depois”, ela fica muito infeliz, não compreende e não desiste. Fui descurtindo a amamentação, mas minhas amigas sempre dizendo pra não desistir. Eu fui levando, meio sem saber, na manha de quem sabe que mulher é feita de luas, entra uma, sai outra, e a vida segue outros rumos. Esses dias, amanheci fortalecida e disse:

- “Pois sim, vou começar agora!”
Você me entendeu mal amiga, não falo do desmame, mas de pôr limite. Uma relação tem que estar confortável para todos, não basta apenas um feliz, tal foi minha convicção. Na hora H, eu, com todo cuidado, expliquei que o mamá estava guardado para mais tarde. Minha filhota olhou pra mim, fez cara de rogada e deu um puxão na minha blusa:
- Mamá!!!
Agarrou meu peito com se fosse sua reliquia, me deixando arrebatada diante de tamanha obstinação:
- Está bem…
Não me senti vencida, nem oprimida! Eu dei foi muita risada, porque sei que ela não larga o osso facilmente. Não será de uma hora para outra as mudanças que estou imprimindo na nossa relação, mas elas serão, elas virão com o passar dos dias. Hoje já está bem mais fácil do que ontem pedir um tempo. Amanhã ela terá aceito que os tempos mudaram, pois tantas luas passaram, e não somos mais as mesmas. Crescer é um processo, tanto para os pequenos, como para nós, mães de poucas ou de várias viagens como eu.
Para mim, amamentar é um imenso prazer. Eu adoro essa conexão, essa relação de interdependência que se cria entre nós. E na hora de mudar essa relação, tem muitas questões a serem levadas em conta. O desmame ideal… eu andei os últimos meses me perguntando como é o desmame ideal. Qual a forma e momento ideal de desmame? Qual mãe nunca ouviu um …”Deus me livre essa boca cheia de dente! Você não tem medo dela morder seu peito??” Dureza aguentar todo mundo dando palpite!!!
Minha bebê foi crescendo e eu até perdi a conta dos comentários. “Essa CRIANÇA ainda mama no peito, mãezinha? Ainda tem alguma coisa aí? Mas isso é só um agrado, um mimo, não serve pra mais nada! Vixi, isso ai vai precisar de psicólogo quando crescer, tão grande, mamando desse jeito!” Essa ultima, sem dúvida, foi a frase mais engraçada, visto que eu mesma sou psi! Eu, que nem dou ouvidos aos outros, dizia com o maior orgulho: Nós somos viciadas!
Eu hoje acho que o desmame é uma decisão da mãe com seu filho, mais ninguém tem o direito de emitir opinião sobre isso. Alguém fala alguma coisa sobre a forma com que você beija e abraça teu parceiro? Por que a amamentação desperta tantos comentários, como se fosse uma decisão de domínio publico? O controle social quanto à amamentação é imenso. Se a mulher não amamenta, ela é massacrada. Se ela prolonga a amamentação, ela também o é!!
Muitas vezes me se senti cansada e pedi opinião e ajuda dos outros. Mas eu procurei dar ouvidos às mulheres que pensam como eu. Poucas pessoas apoiam uma mulher a amamentar seu filho depois de um ano, quem dirá depois dos dois anos. Mas quantas pessoas já leram realmente sobre os benefícios da amamentação prolongada, se informaram sobre as recomendações de órgãos que estudam esse assunto? Quantas mulheres foram encorajadas a falar do espantoso poder de cura que a amamentação tem para as crianças pequenas?
Quando eu comecei a pensar em desmame com minha filha caçula, eu li a respeito em vários sites e comunidades do orkut. Foi engraçado, por que no fim das contas, aquilo tudo que eu li parecia estranho a mim. Com o passar do tempo, fui criando em minha mente uma ideia de como queria que o desmame de minha filha acontecesse. Eu mesma já estava começando a desejar uma nova fase na minha vida e fui me deixando preencher aos poucos por essa novidade. A maternidade e tudo que se relaciona a ela tomou conta de mim nos ultimos nove anos de forma transformadora e agora algo novo se movia em mim, como uma necessidade de dar passos diferentes, novos vôos.
Eu fiquei sonhando com a Lais ir por ela mesma se desinteressando, já que a vidinha dela já tinha tantas outras atividades mais interessantes. Depois de vários meses de conversas com ela sobre o assunto, foi rolando muita confiança de que ela entendia o que eu dizia. A Lais sempre insistia em mamar e mamar, sempre e a toda hora, apaixonadíssima pelos meus seios. Eu deixava rolar. Eu fui levando em conta muitos fatores, e me liguei na minha intuição. De alguma forma eu sentia que saberia o momento para esse desmame.
Assim, fui levando por vários meses, considerando as luas que passavam, o desenvolvimento emocional da minha filha, meu bem estar, e a harmonia da família toda.
O desmame não foi ideal, por que o ideal vive somente no mundo das idéias. O desmame da Lais não foi perfeito, por que onde há perfeição, eu me sinto mais imperfeita. O desmame da Lais foi tranquilo, como a lua que refletia no mar naquela noite, foi do jeito que nós duas juntas poderíamos fazer, e no momento em que nos sentimos capazes de enfrentar uma mudança tão fantástica como esta.
O desmame de uma criança de mais de dois anos não é como desmamar um bebê. Foi um desmame em conjunto, uma decisão em comum acordo. Quem tomou a atitude fui eu, porém, nós demos os passos juntinhas, uma apoiando a outra. Uma cedendo, quando a outra já não podia ceder. Quando eu disse que chegávamos ao fim, ela protestou sem choro, sem sofrimento. Eu senti que ela já esperava por esse momento, ela já estava mesmo pronta para enfrentar a mudança. A harmonia foi intensa. Foi no dia seguinte a única vez em que ela chorou, tristinha, sentindo falta do mamá, então, eu permiti que ela mamasse, foi uma mamada com muito respeito da parte dela. Para mim foi um grande alívio, porque meu seio doía, de tão cheio. Foi também a ultima vez em que ela mamou, por que daí em diante ela não mais reclamou. Ás vezes ela pedia para ver o mamá, passava a mãozinha com carinho e dizia que estava quente e sorria. O mais lindo sorriso que ela tem. Foi uma passagem tranquila para uma nova fase da nossa relação de amor de mãe e filha.
Deixo assim essa fase da maternidade de gerar, gestar, parir, amamentar. Uma nova lua se apresenta para mim, brilhando imensamente. Não que eu não tenha saudades de tudo que vivi nesses anos tão intensamente, não que eu não sinta insegurança no que tenho por vir. Porém, segura de que vivi plenamente a lua que estou deixando passar.

 
** O texto trata-se de uma coletânea de dois depoimentos de Fávia Penido,
originalmente entitulados “Amamentar é uma arte de amor” e “O desmame ideal”. **


Texto enviado pela colaboradora Alessandra Guarnieri Betti

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