sábado, 16 de junho de 2012

Mães Possíveis

Grávida da primeira filha, também fui tomada por aquele impulso conhecido por nove entre dez grávidas do planeta. Eu queria saber mais sobre filhos e maternidade, bebês, a grande novidade da minha vida. Eu fui me municiando com leituras sobre a relação mãe e filhos, a auto-estima das crianças, a criação de meninas, os princípios básicos para educá-los em qualquer tempo e lugar. Eu queria sorver da melhor fonte disponível de conhecimento para me sentir um pouco mais preparada. Eu olhava o grande mistério da vida pelo lado mais complexo: o do invisível vínculo que me afetaria pelo resto da vida.

Aí a filha nasceu e eu percebi que havia conhecimentos mais imediatos e práticos a adquirir: amamentar, trocar fraldas, dar banho. Entraram em cena os manuais, a vida do bebê e tudo aquilo sobre o que esperar quando eles já estão berrando no berço. Eu precisava interpretar choros! O pediatra avisou: crianças têm vários tipos de choro e tosse. Você irá identificá-los. Irei? Era como dizer para um aborígene que, tal qual um esquimó, ele também poderia dar vários nomes para tipos distintos de neve. Cheguei a me perguntar se eu não tinha invertido a ordem das leituras. Por que eu estava tão preocupada com a auto-estima da minha filha se tudo que ela precisava, naquele momento, era de uma técnica de massagem que a ajudasse a relaxar? Era preciso curar a cólica, vaciná-la e ensiná-la a dormir. Anotar o aparecimento do primeiro dente, da primeira palavra, da primeira gracinha. Era preciso fotografar e revelar depois, vai que esse arquivo digital… Atropelada pela introdução de alimentos sólidos, doce e salgado e sucos variados, a gente se esmera em estabelecer a sonhada rotina porque, de uma hora para outra, a licença acabou, o sinal bateu e alguém gritou lá do alto da escada “acabou o recreio!”, e você tem que voltar ao batente, sufocada por tanta vontade de cuidar do filhote, como se cinco meses fosse o suficiente para você sair e voltar inteira a este mundo. Logo agora que você estava se tornando uma especialista em choros?

E a rotina, como mantê-la? Você tem que combinar com todo mundo, com quem te ajuda, com a empregada, com a creche, com quem quer que seja, os seus princípios. Mas a papinha desanda, a criança adoece, a empregada falta, o sono atrapalha o almoço, a avó não pode, a faxineira não aparece, e você, a especialista em choros, tem que trabalhar e descobre que rotina existe para ser bagunçada de vez em quando. Dá macarrão para a criança, ué, e daí que o prato não está colorido hoje? Entra em cena a culpa de ignorar a cartilha, o fim de semana chega, o cansaço acumula e todo mundo acorda tarde. Tudo o que você quer é adiar o dever, a pesquisa e todas as obrigações que você se esforçou tanto em impôr ao filho.

Aí vem a moda das mães por origem: chinesas, tão disciplinadas, francesas, tão educadas, numa onda tradicional festejada e propagada como oposição à funesta permissividade de onde brotam as crias malcriadas e à qual você também tem horror, claro. E você se toca que de chinesa, tem muito pouco. Até banca a francesa de vez em quando, mas jamais formará um parisiense no meio de brasileiros porque educar é uma obra social. Ou seria batalha social? Família versus toda a influência de fora (como se fosse possível dividir os dois). E essa tênue cortina de fumaça que separava os dois mundos, o de casa e o de fora, vai se esvanecendo até sumir. Somos um produto do meio, resultado de nós mesmos, das nossas atitudes, das nossas manias, dos nossos pensamentos, do nosso passado, do nosso presente. Com os filhos, não será diferente.

Resta-nos torcer para que a disciplina tenha sido aprendida, a educação, assimilada, e as regras, internalizadas, para que a criança aprenda a caminhar neste mundão de meu Deus acompanhada do básico: o bom-senso (principalmente quando mamãe e papai não estiverem por perto). Assim sempre foi, e assim será. Entre a mãe chinesa e a mãe permissiva, há um vasto mundo, de mulheres (já que estou falando delas) que buscam equilíbrio por saberem exatamente a grandiosidade do papel que desempenham. Conhecem as regras, esmeram-se nelas, mas olham além da aparência. Não estão satisfeitas apenas em ouvir obrigada e por favor, se o olhar do filho está triste. Não se conformam em vê-lo sentadinho e comportado, se ele nunca fala, nem quando deve. Querem ensinar os filhos sobre liberdade, desde que esteja claro quais são os limites. Essas mulheres, talvez sufocadas pelo ritmo  frenético de uma cidade grande e da própria vida, precisam se adaptar, abrir mão e fazer sacrifícios sim, mas sem encarar a vida como quem se entrega a um algoz.  Para elas, impossível é uma palavra a ser banida do dicionário.

Essas mulheres não são chinesas nem francesas. Somos provavelmente eu e você, as mães possíveis. Prazer.


(Texto de Isabel Clemente publicado no Mulher 7x7)

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