sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Os Melhores De 2011: Paloma - Peripécias de Cecília



Amamentação em público. De onde vem tanto recalque?

Não ando com tempo para ir muito além das minhas leituras diárias, então, quando alguém do meu blogroll cita um outro alguém, dificilmente eu clico lá para ler, sob o risco de perder meus preciosos minutos para fazer todas as outras coisas do dia a dia. Dito isso, tenho de dizer que fiquei surpresa um tanto chocada ao ler aqui e ali que há pessoas que se sentem invadidas ao verem uma mãe amamentando fora de casa.

Como se o peito fosse um órgão sexual primário, como se ele fosse exibido para o deleite dos passantes - e não para o bebê se alimentar e ser acolhido -, como se mães e filhos tivessem que viver confinados em casa, afinal praticam atos obscenos.

Gente, sinceramente, isso para mim é chocante. De onde vem tanto puritanismo? De onde vem tanto recalque? Eu até arrisco umas respostas, mas deixarei aqui as perguntas para provocar alguma reflexão em quem me lê hoje. Aliás, acabo de escolher o título do post.

Depois de expressar o meu sentimento, gostaria de citar trechos do livro "A Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra", da terapeuta argentina Laura Gutman, que teve dois filhos em Paris (uma cesárea e um VBAC) e um em Buenos Aires (um PD). Para saber mais sobre ela e seu trabalho, clique aqui. Laura, para terminar de chocar os puritanos de plantão, compara o início da amamentação, momentos que requerem sim muita intimidade e conexão entre mãe e filho, ao sexo com a pessoa amada. Veja como e por que:

"Todas as mães, absolutamente todas, podem amamentar seus filhos. Em vez de falar de técnicas, horários, posições e mamilos, vamos falar de amor.

Amamentar nosso filho será simples se nos dermos conta de que é semelhante a fazer amor: no princípio precisamos nos conhecer. E isso se consegue melhor estando sozinhos, sem pressa.

Quando fazemos amor com o homem que amamos, não nos importamos com o tempo, nem se o coito dura mais ou menos de 15 minutos, se ficamos mais de um lado da cama ou no outro, se estamos por cima ou por baixo. Não nos importa se amamos várias vezes em uma hora ou se dormimos esgotados e abraçados um dia inteiro. não há objetivo, salvo o de nos amarmos.

Quando o bebê nasce, o reflexo de sucção é muito intenso. Como as palavras indicam, ele age sob o reflexo de procurar, encontrar e sugar o peito materno. Para isso, só é preciso que o bebê fique perto do peito. Muito tempo. Todo o tempo. Porque o estímulo é o corpo da mãe, o cheiro, o tom, o ritmo cardíaco, o calor, a voz, enfim, tudo o que ele conhece.

Como nas relações amorosas - e trata-se disso -, precisamos de tempo e privacidade."

Neste trecho específico, Laura trata do início da amamentação, aqueles momentos em que quase todas as mães sentem dificuldades e são (mal) orientadas por parentes e médicos a amamentar com horários regulares (geralmente de 3 em 3h), não ficar com o bebê no colo por muito tempo, restringir o tempo que o bebê fica no peito (10 a 15 minutos) etc.

Num trecho mais adiante, ela faz uma defesa da livre demanda, sem citar esta expressão, que é recomendada não só por ela e outros profissionais de saúde, mas pela OMS e pelo ministério da Saúde também.

"A preocupação com os horários é a maior adversária do leite materno que conheço. As famosas três horas ainda recomendadas entre as mamadas são fruto da ignorância e da falta de respeito pelos ritmos internos da espécie humana. São cansativas e acabam sendo confusas para as mães, que tentam não se equivocar durante a criação de seus filhos pequenos. O mundo ocidental está cheio de "opinólogos" diplomados que sufocam a essência feminina e seus esforços para se revelar por meio de um fato tão mágico e simples como é o leite que jorra dos seios de uma mulher."

Enfim, se dar de mamar significa nutrir, acolher e amar nossos filhos, se isso deveria ser feito de acordo com suas necessidades - e não com as nossas, pois somos nós, adultos, que vivemos no mundo do relógio e das obrigações com hora marcada -, por que uma mulher não poderia amamentar o seu filho (bebê ou criança) fora de casa?



(Publicado originalmente no Peripécias de Cecília, Fofices de Clarice em 29 de abril de 2011)

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