“- Se eu ordenasse que um general voasse de flor em flor como uma borboleta, ou que escrevesse uma peça de teatro, ou que se tornasse uma gaivota, e se o general não executasse a ordem que recebeu, qual de nós estaria errado? – O rei perguntou – O general ou eu?
- Você – respondeu o pequeno príncipe, com firmeza.
- Exatamete. Só se deve exigir o que as pessoas podem cumprir. – O rei continuou – A autoridade que é aceita apoia-se, antes de tudo, na razão. Se você ordenasse a seu povo que se jogasse no mar, eles se levantariam em revolução. Eu tenho direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.” – Antoine de Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe.
Celma Perry, uma brasileira que é fundadora do Seton Montessori Institute, em Chicago, conta que certa vez estava em um consultório médico esperando ser chamada e que na sala de espera estavam um homem adulto e sua filha. A menina era aluna de Celma. A criança não parava, corria pela sala, subia nas cadeiras, fazia barulho. Celma, sabiamente, só observava, o pai estava presente e não era papel dela interferir, mas aos poucos a professora percebeu que o homem estava ficando nervoso, e que mais hora menos hora, alguém ia explodir, e alguém ia cair na choradeira.
Quando o pai estava a ponto de dar uma bronca na menina, Celma apontando para o tapete cheio de bolinhas azuis, começou a contá-las: uma, duas, três, quatro... E a menina então parou, olhou para o tapete, reparou nas bolinhas, e contou-as, por muito tempo. Celma relaxou, e o pai também, agradecendo à professora da filha pela ajuda.
A autoridade Montessori só é exercida em forma de bronca, em volume alto, em último caso. Se a criança está correndo risco físico ou fazendo com que mais alguém corra, ou se está prejudicando o ambiente de alguma maneira, vale tudo. O ideal é conseguir parar a criança sem a bronca, mas se a ela for necessária, melhor isso do que um ferimento. A pergunta que sempre fica é: E depois que parar, eu ensino onde ela errou?
Bom, não. Depois que parar, ensinamos o jeito certo, e não onde estava o erro. Ensinar o erro é reforçá-lo, é marcá-lo mais profundamente na mente da criança, é fazê-la aprender o errado, ainda que seja para não fazê-lo. Pais e mães não querem filhos inativos, apáticos, imóveis. O que desejam é que seus filhos sejam positivamente ativos, acertadamente animados, que se movimentem gentilmente no ambiente. Assim, não adianta dizer “Pare!”, “Não faça isso!”, “Não toque aí!”. Adianta, antes, parar a criança no momento de risco, se ele existir, e então explicar: “Quando você quiser pegar algo de vidro e for muito grande e pesado, peça ajuda. Se couber nas suas mãos, pegue com as duas mãos e devagar, assim...” ou “Em sofás a gente coloca o pé sem sapatos. O tecido é macio, coloque a mão aqui... Viu? Tire os sapatos e pode subir” ou, ainda sobre o sofá, “Cuidado, o sofá é fofo, está sentindo? O chão é duro. Caminhar no chão é melhor do que no sofá, no sofá você pode deitar e sentar de várias maneiras”.
É claro que eu sei que perdemos a calma de vez em quando. Acontece, e não há porque nos culparmos muito quanto a isso. Somos todos humanos. Pedir desculpas é bom, mas só se a falha foi grave. Não peça desculpas por qualquer bronca, afinal, pedir desculpas é reforçar o erro, e às vezes a criança nem lembra mais. Vale a pena se esforçar, isso sim, por mudar o comportamento da próxima vez.
Ordens devem ser dadas sempre como ordens, mas nunca sem gentileza. A criança ainda não tem pressupostos nem subentendidos, e precisa que tudo lhe seja colocado muito claramente para que compreenda. Quando algum comportamente for importante, seja claro: “Quando entrarmos no museu, fale baixo”, ou “Na casa da sua tia, não pegue nos copos de cristal, ela não gosta”, ou ainda “Vá tomar banho, temos que estar prontos logo para sair”. Tenha em mente que Só se deve exigir das pessoas o que elas pessoas podem cumprir e não peça para seu filho tomar banho em cinco minutos se ele invariavelmente demora quinze. Caso essa rapidez seja necessária, seja ainda mais claro: “Entre no banho, deixe cair só um pouco de água no seu corpo, passe rápido o sabão e o shampoo, enxague-se, lave bem as axilas e a genitália e seque-se rápido também, combinado?” (em Montessori aconselhamos a ciência sempre, e utilizamos os nomes científicos reais para todas as partes do corpo: pênis, vagina, ânus. No entanto, caso prefira, não há nenhum problema em se utilizar apelidos carinhosos em geral).
Ordens e favores são duas coisas diferentes. A criança pode escolher não fazer favores, mas não pode escolher não cumprir uma ordem. Por isso, a sua fala precisa deixar muito claro quando um favor é pedido e quando uma ordem é colocada – lembre-se, seja sempre, sempre, sempre gentil. Um favor pode ser colocado como: “Querido, você pode pegar os meus óculos na mesa, por favor?”, e uma ordem precisa ser colocada como “Querido, suba, pegue sua mochila e vamos para a escola”. No entanto, tenha em mente: embora pedir favores, quando são necessários, não seja errado, é sempre muito bom expressar a sua independência e mostrar que você pode pegar seus óculos, para que a criança aprenda que pode fazer as coisas dela sozinha, também.
Mães e pais com autoridade nunca são mães e pais autoritários. Repare que a autoridade existe quando a criança compreende o aduto. Autoritarismo existe quando o filho teme os pais. Aja sempre de forma razoável e procure educar pelo exemplo. Se você pedir silêncio, mas falar alto, se você pedir ordem, mas for bagunceiro, se pedir que seu filho leia, mas só assistir TV, esqueça, não há como ser obedecido. Mas se souber mostrar como se age certo, as chances são de que mandar quase não seja necessário!
Texto de Gabriel Salomão