terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Os Melhores De 2011: Mari Hart - Diário de Uma Mãe Polvo



"Maria da Penha": eu fui uma.

Imagem DAQUI.


Ontem foi noticiado aos 4 ventos, o 'aniversário' de 5 anos da Lei Maria da Penha sancionada pelo ex-presidente Lula. Acho que essa lei dispensa apresentações, e apesar de estar em vigor, sabemos que ainda tem muito o que ser mudada.

Infelizmente mesmo depois da criação desta, a violência doméstica continua com índices altíssimos, mas nem sempre concretas, visto que muitas mulheres sofrem caladas impedindo estatísticas mais precisas. Os fatores são diversos, talvez o maior deles seja o medo da incapacidade de se sustentar sozinha, já que muitas destas mulheres que sofrem quietas, dependem financeiramente do marido.

E então hoje, venho aqui contar minha história pessoal. A história é longa, mesmo resumindo. Puxe a cadeira e sente comigo. Aliás, pelo que vcs podem perceber, história é o que não falta em minha vida. E não tenho medo de me expor, ao contrário. Acho que libera fantasmas, pode ajudar outras pessoas como o tema "Pedofilia" que foi abordado aqui recentemente em que muitas pessoas se abriram tb, em off, ou não. Foram diversos e-mails recebidos de mulheres agradecendo a abordagem e me contando suas histórias, o que me deixou bem feliz apesar dos pesares.  Mas quando a história envolve terceiros, é preciso cuidado na hora de contar, por isso não citarei nomes, mas para bom entendedor, meia palavra basta.

Aos 19 anos tive um namorado. Nos apaixonamos, ele veio morar comigo junto com minha família, o maior erro da minha vida, e no auge de minha imaturidade, engravidei 6 meses depois, já aos 20. Ele era 6 anos mais velho e sempre se mostrou bastante ciumento. Tinha ciúme da minha família, destratava meus amigos publicamente, e se duvidasse, tinha ciúme até do meu próprio espelho. Sempre foi motivo de brigas, pois eu tb sempre foi muito possessiva. Uma relação juvenil extremamente passional, mas na minha cabeça de uma menina como eu era, era sinal de amor. 

Ledo engano. Mal sabia eu o que era amor. No início da gravidez o príncipe se transformou em sapo. Veio o primeiro tapa na cara. O motivo!? Ciúmes. Diante de pedidos de perdão e promessas perdoei. E então, veio o segundo. Perdoei novamente já que eu revidava ferozmente. E então um belo dia eu, grávida de 6 meses, estava vestida com uma saia curta em meu trabalho, qdo ele foi me buscar, como fazia todos os dias. Além dos xingamentos impublicáveis em um blog de família como esse, veio uma surra. Uma surra por uma peça de roupa em uma mulher grávida! Surreal! Desta vez não pude revidar, pois eu só queria proteger minha barriga, onde eu gerava um filho dele. Me encolhi no chão em posição fetal a fim de proteger meu bebê enquanto apanhava. Essa foi a gota d'água. Mandei-o embora e pedi a separação.

Como sempre, ele se ajoelhou aos meus pés pedindo perdão e fazendo mais e mais promessas, mas com o apoio de minha família que até então não sabia de nada, mantive firme minha decisão. Ele se negava a ir embora, demos (eu e minha mãe) o prazo de uma noite para ele procurar um lugar para morar, mas o pesadelo não acabou. Depois de uma longa conversa clara, já com os ânimos mais tranquilos, ele concordou. Eu deveria ter achado estranho vindo dele, mas acreditei. E então, esta pessoa tentou cortar os pulsos na minha frente, dizendo que preferia morrer do que viver sem mim.

Imagina a cabeça de uma grávida vendo tal cena?! Um psicopata com uma faca na mão se cortando, poderia até sobrar para mim. Eu impedi, e fui "obrigada" a perdoar novamente por medo, mas disse que ele não moraria mais comigo, mas que poderíamos continuar juntos. Eles se mudou, e para não me perder de vista foi morar em frente ao meu trabalho, junto com um amigo, onde passava o dia inteiro me vigiando. Não, ele não trabalhava. O trabalho dele era me perseguir, vigiar meus passos, onde quer que fosse.

Um dia na casa deste amigo, estávamos sozinhos, e mais uma vez ele me agrediu pelos mesmos motivos. Agredia e em seguida se ajoelhava aos meus pés implorando perdão. Neste dia ele escondeu minha bolsa, meus sapatos e a chave de casa para eu não ir embora enquanto não o perdoasse. E então eu, então grávida de 8 meses, pulei a janela da casa de 3 andares, descendo pelo telhado, correndo risco de vida para fugir desse psicopata. Saí correndo pela rua descalça, peguei um táxi sem nenhum tostão no bolso e fui para casa onde minha mãe pagou ao chegar. E eu não prestei queixa. Por ser pai da minha filha. Pelo sonho de uma família. Pelo desejo de dar a minha filha um pai que eu não tive. Não me imaginava mãe solteira, nunca sonhei isso para mim.

O tempo passou, o bebê nasceu e ele pareceu mudar com a paternidade. Voltou para minha casa, se tornou carinhoso, atencioso, até arrumou um emprego! Milagre! Mas aí aprendi que ninguém muda de um dia para o outro. Depois de escândalos, uma nova agressão imperdoável. Estávamos na rua discutindo e eu com o bebê no colo quando ele me deu um soco na cebeça tão forte, que eu desprevenida deixei Stella escapulir de meus braços. Mas com a ajuda de seu anjo da guarda, consegui pegá-la no ar, com sua pequena cabecinha há poucos centímetros de bater no meio fio. Resolvi dar um basta definitivo. Sem voltar atrás. Meu bebê tinha 8 meses quando o expulsei de casa e então as agressões deram lugar a ameaças. Chegou ao ponto de posicionar meu bebê na janela e ameaçar jogar se eu não voltasse para ele. Disse várias vezes que iria fugir com minha filha para outra cidade e que eu nunca mais a veria.

Me perseguia nas ruas se escondendo atrás de árvores e carros. Me ameaçava de morte, dizendo que se eu não ficasse com ele não ficaria com mais ninguém. E eu tentando retomar minha vida, voltei ao trabalho-sempre com medo, e conheci um homem super bacana. Mais velho que eu, que me fazia sentir segura, protegida, amada, começamos um namoro. Por acaso ele era advogado e tomou as rédias do caso. Denunciamos o agressor que ficou impedido de se aproximar de mim, em uma época em que a lei Maria da Penha ainda não existia, exatamente no ano 2000. Me encorajou a ir até o fim, até que ele foi preso por uma noite depois da milésima ameaça. 

O novo namoro não teve muitos progressos, eu não estava preparada para um novo relacionamento e então passei exatos 3 anos de minha vida vivendo como uma criminosa, me escondendo. Andava nas ruas olhando para trás e para os lados. Não pegava mais ônibus, evitava sair, ou qdo saía era com cuidado para não ser vista. Foi quando ele viu que havia mesmo perdido e foi trabalhar em outro país. Passou 1 ano fora e foi quando conheci Ciro, meu atual marido. Ele devolveu minha auto-estima, me livrou do medo dos homens, e me mostrou o que é o verdadeiro amor baseado no respeito, admiração e paixão. Assumiu a criança como se fosse dele próprio. Se tornou um verdadeiro pai, o melhor que poderia existir apesar de bem jovem. 

Enquanto eu trabalhava, ele ia a reunião de escola. Ele limpava o bumbum dela qdo ela gritava "acabeiiii!", e se divertia com isso! Deu amor, educação, carinho, atenção a uma criança que teve sua primeira infância conturbaba pelo seu próprio genitor. Formamos uma família de verdade! E quando o "pai biológico" voltou da Europa, parecia mais calmo e conformado, apesar das investidas de reconciliação. Se justificou dizendo que era doente de amor, que havia mudado e hj eu questiono: Isso é amor!?

A mensagem final é uma só. 

Mulheres "Marias da Penha" do Brasil! Há vida após agressões, ameaças, seja física ou emocional. A lei está do nosso lado, embora tenha muitas falhas, ainda é o melhor caminho. Não se calem, DENUNCIEM! Quem agride uma vez, pode agredir dez e pode não ter fim. Ou um fim trágico e não feliz como foi o meu. Não se iludam com a idéia de amor incondicional e arrebatador, pq amor não é doença, ao contrário, é saúde! Não se intimidem diante de uma força física maior do que a sua, pq a força maior está na nossa mente e é ela que devemos usá-la a favor de nós mesmas.

Tenho que ser justa. Passaram-se 11 anos e hoje esta pessoa refez sua vida, temos um contato mínino e necessário, por um bem em comum, nossa filha que idealizou um pai herói e hoje sabe bem quem é seu pai, com seus defeitos e qualidades(?). Raramente ele procura a filha, não paga pensão e se mudou de estado. Conversamos, ele frequenta minha casa qdo vem ao RJ (ressalto novamente: raramente), mas o passado obscuro continua presente e faço questão de lembrá-lo sempre que preciso.

A idealização de família de margarina não existe, mas podemos nos reencontrar com novas pessoas, novas tentativas, abrindo o coração, sem traumas. E hj, na semana em que se comemora a criação desta lei, o que desejo a todas as "Maria da Penha" do Brasil, é o que eu tive. Felicidade. Renovação. Plenitude. Realização, Sem medos. Recomeçar do zero. E acima de tudo CORAGEM. Quem decide nossas vidas somos nós mesmas, ninguém pode mandar na nossa felicidade. Se você conseguiu me ler até aqui, esse é meu recado de hoje.

"Se o destino não tiver os mesmos planos que eu... ele que mude!"


Leia mais sobre a lei Maria da Penha aqui neste fantástico texto de Frei Betto. Antigo, mas atual.

Para denunciar, ligue 180.



(Publicado originalmente no Diário de Uma Mãe Polvo em 8 de agosto de 2011)

Um comentário:

Beatriz Zogaib disse...

Lindo relato. Triste, claro, mas verdadeiro até para quem não imagina o que é viver uma história como essa.
Que outras mulheres façam o mesmo: denunciem. E o quanto antes!
Abraços
Beatriz
www.maedacabecaaospes.com.br